Memória e aprendizagem são conceitos diferentes. Mesmo que alguns digam que aprenderam algo novo, quando apenas o memorizou. Entretanto, são complementares, ou seja, você aprende algo novo quando é capaz de responder a um determinado estímulo a partir de experiências anteriores (memórias). Pensemos, por exemplo, na experiência que todos já tivemos em algum momento de nossas vidas: queimar o dedo ao aproximá-lo a uma chama de vela ou ao tocá-lo em uma panela com líquido em ebulição. Nessa simples experiência, a de queimar o dedo, formou-se uma memória que possibilitou uma aprendizagem (fogo=>queimadura=>cuidado), sabemos disso porque provavelmente se não quisermos nos queimar, evitaremos tocar em uma panela quente ou chama de uma vela.
De forma simplificada, podemos comparar a nossa memória com a de um computador, usando o modelo de processamento da informação, no qual as informações entram, são codificadas e armazenadas e depois são recuperadas com a linguagem com que as mensagens foram codificadas. Detalhadamente, a memória é uma propriedade do indivíduo e está centrada em processos de conservação e de esquecimento. Segundo Margareth Brandini Park, doutora em educação, seu caráter central reside em rastrear vestígios, intervindo, relendo-os e reinterpretando-os. Os processos de lembrar e esquecer, assim como os processos de criação, construção e exposição de estilos narrativos e de articulação entre lembrança e esquecimento dependem das relações sociais vivenciadas nos âmbitos familiar, de vizinhança, profissional, político, religioso e da geração ao qual pertence. Anita Liberalesso Neri, em seu livro “Palavras-chave em Gerontologia”, descreve a memória por meio de três sistemas de memória:
Memória sensorial:
É responsável pelo armazenamento inicial e breve dos estímulos externos. Uma vez processadas, as informações resultantes são transferidas para a memória de curta duração, sob a forma de imagens, palavras ou números. O funcionamento desse sistema pode sofrer a interferência de deficiências sensoriais e da dilatação no tempo de reação, ocorrências comuns do envelhecimento normal;
Memória de curta duração:
É dividida em dois subsistemas: 1) Memória primária que envolve a retenção de pequenas quantidades de informação por curtíssimos períodos de tempo (Ex.: reter um número de telefone enquanto é ditado pela operadora, para poder usá-lo em seguida). Para poder ser usada posteriormente, a informação precisa ser processada na memória operacional, sob a forma de conceitos e famílias de conceitos a serem lembrados; 2) Memória operacional permite reter e manipular cada unidade de informação que cai sob o enfoque da atenção durante o processamento da informação que cai sob o enfoque da atenção durante o processamento da informação, por exemplo na compreensão de textos, na tomada de decisão e na realização de tarefas concorrentes. Pode ser afetada por perdas sensoriais, medo de fracasso e presença de elementos que causam distração, motivos pelos quais esse subsistema pode ser sensivelmente afetado nos mais velhos.
Memória de longa duração:
É responsável pelo armazenamento da informação por um período de tempo mais longo e compreende dois subsistemas: 1) Memória declarativa ou explícita. Refere-se à memória consciente de experiências prévias. É a que se avalia nos testes de reconhecimento e de evocação livre, que requerem consciência e intencionalidade. Preside os processos de lembrar de experiências passadas com a finalidade de transmitir informações, de organizar a experiência atual e de regular as emoções. 2) Memória não declarativa, processual ou implícita. Envolve o armazenamento, o encadeamento e a codificação de informações de forma relativamente independente da consciência, da intencionalidade e da linguagem. Não envolve evocação intencional e revela-se pela facilitação do desempenho a partir de experiências anteriores.
Assim como a memória, aprendizagem também abrange vários conceitos e teorias. Há vários teóricos que abordam o tema aprendizagem, nesse artigo abordaremos a teoria de Lev Semenovich Vygotsky. Segundo Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo se dá por meio da interação social, ou seja, da interação com outros indivíduos e com o meio. Para tanto, no mínimo duas pessoas devem estar envolvidas ativamente trocando experiência e ideias.
A interação entre os indivíduos possibilita a geração de novas experiências e conhecimento, mediada pela utilização de instrumentos e signos. Um signo é algo com significado para o indivíduo, como a escrita ou a fala. A aprendizagem é uma experiência social, a qual é mediada pela interação entre a linguagem e a ação. Segundo Vygotsky, para ocorrer a aprendizagem, a interação social deve acontecer dentro da zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que seria a distância existente entre aquilo que o sujeito já sabe, seu conhecimento real, e aquilo que o sujeito possui potencialidade para aprender, seu conhecimento potencial. Dessa forma, a aprendizagem ocorre no intervalo da ZDP, onde o conhecimento real é aquele que o sujeito é capaz de aplicar sozinho, e o potencial é aquele que ele necessita do auxílio de outros para aplicar. Desta maneira, em cursos formais e informais, professores mediam a aprendizagem utilizando estratégias que levam o estudante a tornar-se independente, estimulando o conhecimento potencial, de modo a criar uma nova ZDP a todo momento.
Neste cenário, a neurociência recentemente trouxe várias novidades acerca da memória e da aprendizagem. Uma das principais descobertas nesse âmbito diz respeito à constatação de que, ao contrário do que se pensava antes (que a neurogênese – o surgimento de novos neurônios – era restrita à primeira infância), graças à plasticidade, o cérebro humano é mutável: de acordo com este conceito, em qualquer fase da vida somos aptos a aprender, o que culminará no surgimento de novos neurônios e sinapses (espaço entre os neurônios por onde ocorre a transmissão de impulso nervoso). Além disso, conforme consta na pesquisa de Bruel-Jungerman, Rampon & Laroche (2007), a neurogênese, no adulto, costuma ocorrer principalmente no hipocampo, a área do cérebro ligada à memória. Assim, documenta-se que independente da idade, se estivermos saudáveis cognitivamente, seremos capazes de continuar aprendendo e nos desenvolvendo ao longo de toda a vida, ideia defendida pelo paradigma lifespan elaborada pelo psicólogo alemão Paul B. Baltes (1939-2006) à Psicologia do Envelhecimento e à Psicologia do Desenvolvimento.
Por fim, apresentamos 10 técnicas de aprendizagem avaliadas pela equipe de cientistas do Departamento de Psicologia da Kent State University como resultado da revisão de 700 artigos científicos que abordaram técnicas de estudo:
Pouco úteis:
- Resumos;
- Destacar/sublinhar;
- Palavras-chave;
- Criar imagens para texto;
- Releitura.
Eficácia moderada:
- Interrogatório elaborativo (explique o porquê de um fato ou raciocínio, essa ação estimula a conexão entre informações);
- Autoexplicação (conecte novas informações com informações anteriores ou detalhe os passos dados durante a resolução de problemas);
- Prática intercalada (estude diferentes tópicos do mesmo assunto, do menos complexo ao mais complexo).
Mais eficientes:
- Testes simulados: se desafiar é um excelente meio para aprender, para tanto simule perguntas sobre os temas que deseja aprender. Por exemplo, caso queira aprender um novo idioma, utilize o programa Duolingo para testar seus conhecimentos na língua inglesa. Outra forma é por intermédio de flashcards ou cartões que em um lado há uma pergunta e no verso existe a resposta. Utilizando os flashcards ou cartões é possível realizar simulados com as questões sobre o assunto que deseja aprender de forma eficiente.
- Prática distribuída: dividir o conteúdo a ser estudado ao longo do tempo (uma ou mais sessões sobre um mesmo assunto, cronometrando o tempo). Quanto mais você revisar, mais chances terá de aprender o assunto.
Assinam esse artigo:
Manuela Lina da Silva
Gerontóloga pela Universidade de São Paulo (USP), com realização de intercâmbio de Graduação pelo Programa de Mobilidade Acadêmica em Gerontologia da Escola Superior de Saúde (ESSa) do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) – Portugal. Exerceu estágio-voluntário na Santa Casa de Misericórdia de Bragança – Portugal e foi bolsista no Projeto Bairro Amigo do Idoso – Brás/Mooca (SP). Atualmente é assistente da coordenação do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS).
Tiago Nascimento Ordonez
Gerontólogo pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Estatística Aplicada pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Exerceu a função de Gerontólogo na Prefeitura de São Caetano do Sul entre os anos de 2014 a 2016. E esteve como coordenador do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFVI) da Prefeitura de Diadema entre 2017 e 2020. Atualmente é membro da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG) e pesquisador do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Profa. Dra. Thais Bento Lima-Silva
Docente do curso de Graduação em Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), Coordenadora do curso de pós-graduação em Gerontologia da Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS), pesquisadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora científica da Associação Brasileira de Gerontologia (ABG). Membro da diretoria da Associação Brasileira de Alzheimer- Regional São Paulo. É assessora científica e consultora do Método Supera.
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